Páginas

domingo, 22 de abril de 2012

Das cartas.

       A minha riqueza são minhas recordações. São todas as cartas que tenho guardadas, em uma caixinha, dentro do guarda-roupa. São as letras que eu vejo/leio quando, num domingo, a alma pede sentimento. Ou quando numa tarde, sem mais, sem som, o coração insiste em sentir afago. É de letra que eu faço o amor renascer, de verbos que eu vejo quem um dia eu fui e quem ainda me resta ser.
      Eu vou lendo e me perdendo num passado misturado, cheio de sujeitos e seus predicados. Eu lembro de frases que eu dizia, das que eu escutava, e daquelas que me arrancavam lágrimas de amor. Vou percebendo minha evolução ou regressão a partir das palavras que me definiam. As fotografias dentro da caixa vão me fazendo fechar os olhinhos, lembrar de momentos que existiram e daqueles que um dia eu sonhei existir. Mas desisti, abri mão, joguei no ar. Ou, como toda vida vã, foi embora sem que eu percebesse ou permitisse. 

      As cartas me fazem comparar o que eu já fiz com o que eu faço; o que eu fui com o que agora sou; o que eu nunca aguentei e agora aguento. Eu já nem sei se sei amar como antes, ou se antes era amor. Já pensei em largar as cartas, pela dúvida que elas me trazem, mas não me permiti jogar fora o que de melhor eu já vivi. Sigo lendo, relendo, vez ou outra, constantemente... depende apenas da necessidade que as vezes sinto de me encontrar. Ou me perder ainda mais, quem sabe. Algumas cartas marcaram mais, marcaram datas, marcaram dias. Marcaram o início ou o fim; uma briga ou uma reconciliação. Algumas frases eu anoto em mim, outras eu descarto como quem não quer ler nunca mais, pra esquecer, ou só pra não lembrar.
       Hoje é domingo, dia de recordar. Dia que eu escolhi pra me perder e me encontrar. O dia do alívio ou da agonia. É quando eu abro o armário, pego a caixa, fecho os olhos e a encosto no peito. É como se o coração se preparasse para ler as cartas, rever as frases, as fotos, os tickets de cinema, os papeis de chocolate, um rabisco no guardanapo, uma flor de papel, as datas que vivi, as vezes que chorei e o amor que há ali, e ainda que finado, escolhi pra guardar em mim. É o meu tesouro.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

"Daquelas coisas."

            Foi só saudade. Não fique envergonhado pelas palavras que usou. Não me sinto no dever de te apagar da minha vida. Sei que já passou muito tempo e que, realmente, essa conversa não tinha mais sentido, mas é da saudade essa artimanha. É da saudade esse querer-voltar, querer-ligar, querer-querer. Eu nunca gostei de falar do passado, mas não custa reviver por dois minutos uma meia-vida de alguns meses. Acontece que você me vem com umas conversas estranhas, fico sem saber se vivi tudo aquilo, mas concordo sempre e digo que sinto a falta também. Não duvide de tudo que já falei, acontece que as vezes a memória me falha. Não quis ser desonesta, mas você me pareceu sensível demais, e seria grosso de minha parte dizer não lembrar de nada. Eu lembro de muita coisa. Pelo menos, tudo aquilo que coube em um cofre de recordações que carrego em mim, de coisas simples, bobas, mas que sempre adotei como importantes. Eu lembro do nosso primeiro chocolate dividido, e de cada filme que assistimos, até porque guardo todos os tickets. Lembro de todos os cheiros que já senti em você, de todas as vezes que neguei a fome e a sede, por me sentir envergonhada. Lembro até das vezes que discutimos por você me achar boba demais, embora eu nunca tenha admitido. A gente sempre abusou do orgulho, e eu gosto de lembrar dessa parte, visto que foi o que usei pra te mandar ir embora da minha vida. Ok, foi saudade, eu respeito. Mas não adianta vir com essa de filme inesquecível, música que era nossa e cartas escritas a punho. Antes que me ache insípida demais, saiba que eu guardo até hoje aquele livro, aquele cheiro, aquela blusa, aquela mala, aqueles lenços, aquelas mensagens, aquele medo, aquele pedido, aquilo tudo que eu sempre guardei em mim. E ainda que meus pés continuem descalços, agora eu bebo mais água. E se já não tomo remédios, eu também não tomo tanto sorvete. Eu continuo a mesma, entende? Do jeito que você me viu passar. Só que meu ponto fraco agora é outro.