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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Pedaço.

   Se hoje ela chora por ter perdido um pedaço, é de se entender. Lembro de quando fui embora de mim. Me perdi sem querer deixar rastros. Parei de dar água ao girassol, descasquei as capas dos livros mais bem conservados. Deixei ir embora minha caixinha de cartas antigas. Qualquer coisa pra me livrar das lembranças de um pedaço que talvez nunca tenha sido meu, mas que cabia perfeitamente. Foi difícil aceitar que não haveria mais bilhetes atrás da porta, nem suco de manga bem gelado na geladeira, naquele copinho branco, com um coração amarelo desenhado. Aos poucos fui aprendendo a gostar um pouco mais de laranja. Me diziam que chorar era proibido. Por tempos eu era silêncio, no medo de deixar escapar uma lágrima ao abrir a boca. E tudo que eu fazia era dormir, acordar e esperar alguém bater à porta. Tudo servia como distração, até mesmo guardar cartas recentes e não lidas embaixo da almofada do sofá. 
       Se hoje ela chora, é porque sente falta de um cheiro e de um gosto. É porque nas suas mãos havia sempre outras mãos, é por falta de um abraço meio que lento e meio que rápido. Ela pode até ser fraca, mas eu entendo esse olhar envergonhado na rua, como quem se perdeu e não está achando o caminho de volta. Se essas pernas tremem, eu entendo que é porque havia sempre alguém que lhe guiava e hoje ela tem que seguir seus próprios pés, que se perdem por conhecer o caminho de uma só casa. Se alguém tocasse suas mãos, sentiria um suor escorrendo na roupa, mas um suor diferente daquele que ela enxugava com vergonha e cheia de nervosismo. Se é da vontade dela ir embora, deixem. Que ela parta pra um lugar onde outros rostos a vejam, outras bocas a chamem, outros perfumes lhe marquem e outros pedaços lhe caibam. Assim como eu, sozinha, pude voltar a caber em mim.
                                                                                        Boa sorte.

Deste menino, destino.

        No começo eram dois olhos, castanhos, puxados, distantes. Um sorriso de fazer graça, 
um sarcasmo quase que inevitável. Eram encontros de olhares casuais, quase despercebidos e mudos. Dois olhos que não falavam e outros dois que nem respondiam. Sempre foi assim, se não havia perguntas, não havia respostas. O toque na pele que existia era do encontro das mãos em que na mesma hora buscavam uma caneta, ou quando por acaso se despediam à certa distância. E quem poderia imaginar que nesses encontros e desencontros diários pudesse existir algo a mais? Em certas ocasiões é preciso um fim para o começo. E assim foi.
     De tarde, pipoca, casa de uma amiga em comum. O amor quando quer aparecer escolhe um lugar feinho, uma hora de algarismos ímpares e dois imbecis que nem sabem o que estão fazendo. Agora eram duas mãos bem perto, um ônibus demorado, uma agitação de quase-noite e olhares que quase sempre se perdiam. E quem podia imaginar que naquele meio havia coragem? Um beijo rápido e nem um pouco pausado é coisa pra quem não pensa antes de agir. E bem ali, ninguém podia estacionar seu carro em pensamento. Beijo dado. Olhos fechados. Desencontros perfeitos. 
       Agora era cinema. Lá os olhos ficam entreabertos, as mãos são feitas pra serem unidas, as respirações são fortes, embora quase emudecidas, finge que é por conta de um filme de premonição que surge um frio na barriga. Dizer alguma coisa é pros fracos. Pensar é coisa pra poucos. Quem sabe seja melhor olhar o filme e esperar que o destino mova as mãos, os olhares e os rostos. Se foi o destino quem moveu, não sei. Nem sei quem é destino. Dessa vez eram dois rostos, duas bocas, beijos pausados, sentimento confuso e medo. Medo do quê? De não ser verdade. Quanto ao filme, pareceu ter duração de 13 minutos. Sabe bem, o amor e seus números.
       Hora das mensagens. Palavras sempre chamam a atenção, ainda que haja a possibilidade de não serem verdadeiras. É um risco. E quem quer ter esse capricho, sabe bem o que pode acontecer. E dava pra saber desde o início, era esse o maior medo, mas não era um bom motivo pra desistir. Ainda. Acho graça nessa coisa de destino, sempre leva a culpa por algo que acontece fora dos nossos planos. E já que esses encontros é ele quem arma, que leve a culpa dos desencontros também. "Não era pra ser", foi uma das frases mais repetidas, depois de "eu bem que avisei". Nessas horas ninguém quer ser herói. É bem melhor ouvir uma frase que pelo menos ajude a enganar a agonia que dá no peito. Num momento em que tudo parece mentira, uma mentirinha pra curar dores não faz mal a ninguém. Que seja dita então a famosa "tudo vai melhorar."
      Agora era o tempo, senhor de todas as horas pares. Intervalos, mensagem, intervalos, ausência, silêncio. De todos os cheiros que imagino que o tempo pode ter, o mais doloroso de sentir, é o cheiro de nada. Voltemos então à estaca zero: sem perguntas, sem respostas. Pra quem já tomou boas doses de desilusão, uma a mais não poderia fazer tão mal. Quem disse? Levanta as mãos pro céu e agradece, mulher. Esse coração é mais valente que muita formiga no inverno. Isso lá é valentia? Ainda que fosse, era só mais uma daquelas frases famosas. A verdade é que o tempo te cerca, te invade e te empurra, vem cá: bola pra frente.
       Dia de número ímpar, carnaval. Sem máscaras, sem serpentinas. Cidade colorida, sorrisos espalhados cheios de euforia. Pés dançantes e olhos que piscam. Agora era reencontro, carnaval cheio de fantasias, traz de volta as mãos que cruzam, os olhos que temem e se encontram, a boca que treme e que fala. A graça que faz rir, mas nem existe. Teimosia de quem quer e põe culpa no pobre do destino. É noite, ímpar e de chuva. Cinema mudo, mímica esquisita, olhos que brilham, pés que descobrem que sambam, samba falando de mulher, cabelo soltando tinta azul, azul da cor do céu. Céu que se faz plateia de um show de tentativas de conclusão e afirmação de sentimentos. Se isso for magia da chuva, que ela caia também nos dias pares, porque o amor já faz magia demais por nós. O tempo solta cheiros, músicas e letras. As músicas trazem formas, toques e pernas. Os braços balançam procurando encontrar as mãos que por querer se entrelaçam.  Então foi assim. É assim com todo mundo. Se foram os olhos que piscaram, se alguma música tocou, se as mãos ou os filmes ajudaram, não tem pra quê entender. Pra mim, o amor quando é amor é ímpar, dois viram um só. E se alguém tiver que levar a culpa, que seja o destino.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Ainda.

              "Sabe qual o início do sofrimento? É quando temos nossa primeira paixão e nossa mãe nos diz que não podemos, não temos idade, ainda. Então vamos crescendo, continuamos amando, e... sofrendo ainda. Elas nos dizem, então, que é muito cedo e não temos idade pra sofrer. Vão me perdoar, sei que é proteção ou pelo menos uma tentativa e que por trás dessas palavras e desses limites há muita história e experiência, mas chega uma hora que precisamos sentir essa dor e aprender a viver ou lutar contra ela. E elas bem sabem disso, só querem evitar que a gente passe pelas mesmas coisas, sinta as mesmas dores, cometa os mesmos erros. É uma pena, mas tem coisas que só aprendemos quando sentimos na pele. E assim é que aprendemos a amar, amando, doendo.  Não sei se estou certa em dizer que aprendemos, de fato. Mas assim como nossas mães, vamos ganhando experiências, lições que carregamos pra uma vida toda e ainda assim, vamos cometendo os mesmos erros. Injusto até chamar de erros, o que muitas vezes é capricho nosso, um sonho a realizar, uma meta. Certas vezes seguimos esse caminho porque queremos mesmo, porque queremos arriscar, porque achamos que vale a pena sentir doer, só pra termos ao menos a ilusão de que possuímos um amor, e depositamos neles o desejo de ser feliz. E esse desejo é enorme, tanto, que é capaz de suportar por muito tempo coisas que não deveriam ser aturadas por um segundo, apenas pra ter o prazer de fazer planos de anos ou quem sabe um final de semana inesquecível, juntos.  A gente carrega um amor porque não sabemos usá-lo de longe, não sabemos desejar distância e queremos que ele seja nosso. E não adianta vir dizer pra esquecer, pra jogar pela janela, pra deixar ir embora, porque não deixamos. Sabemos exatamente o que é preciso, o que é certo, mas o nosso sentimento é maior, e seguimos. Entre tantos "entretantos", a gente vai se acostumando e aprendendo a controlar algumas coisas.  Pode passar uma vez, duas, vinte e duas vezes, nosso amor ou desejo de amor correspondido sempre vai existir. Não há idade, tempo certo ou quem sabe, instruções. O amor e a dor sempre vão vir juntas, nós é quem vamos aprender a controlar o nosso ímpeto de nos machucar e querer segurar um peso maior do que nossas mãos, mães e coração suportam, ainda."




                                                     Você vai me entender, Aída.