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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Trancamando.

            Eu ando sempre preocupada com o tempo e tiro sempre os sapatos antes de entrar em casa, como se a sujeira que eu escondo embaixo da cama não fosse o suficiente pra putrificar uma casa inteira. Eu vejo gente por todos os lados e sei que ainda assim, sozinha fico. Eu sinto o sol entrando pela janela e o frio das mãos dele se distanciando das minhas. Mas, frio maior, sentem aqueles que nem possuem um cobertor. Eu possuo. É de linho e seda, com meu nome bordado na ponta e me protege do frio apenas quando o meu esforço pra superar esse frio é menor. Eu vejo essa poeira toda entrar pela porta, sem pedir licença, sem tomar cuidado. Exatamente como você, que sem aviso, veio e entrou tomando posse de tudo. Não falo da minha casa. Falo de onde eu realmente vivo, aqui dentro. Você não tinha chaves, eu não tinha cadeados. Eu só rezava, todas as noites, fazendo pedidos e planos que chegassem de surpresa, mas no momento certo. E foi. Você chegou de repente, não sei se foi certo, mas veio exatamente no momento em que eu precisava aprender a dominar meus sentimentos. Uma pena eu não ter aprendido. Sou dominada por eles ainda hoje. Eu tenho cabeça de criança e ideologias mutantes. Dias estou sol, dias sou chuva e trovoadas. Eu escolho de acordo com seu humor e sua necessidade, porque a minha pouco importa. E por falar em porta, vem cá. Me diz como te prender aqui dentro e trancar essa porta invisível. Se necessário for, até cadeado viro, talvez até jogue as chaves fora, que é pra ter a certeza de que a gente não se solta mais e ninguém sente vai embora em boa hora. Andando de ônibus, alguém me olha da janela do ônibus ao lado. É um rosto triste, cara de quem procura alguém. Queria poder dizer que já estou trancada e pedir pra ele a calma que eu encontrei quando me vi assim, eufórica. Ele nem entenderia minhas contradições. Um desconhecido-vizinho-de-ônibus não consegue enxergar o suor que agora escorre das minhas mãos apenas pela mensagem que eu recebi. Nem pode sentir meu coração acelerando porque a música que toca agora me lembra o motivo de estar ouvindo essa música. Talvez um dia ele também ache um motivo. Hoje, daqui a vinte e dois minutos, amanhã, quem sabe. Ele vai se trancar e as mãos vão suar, o coração vai acelerar e ele não vai mais procurar ninguém nessas janelas. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Tra-van-do.

         No dia em que eu precisar de beber pra vociferar o que há tempos eu guardo aqui dentro, eu bebo. E, se nesse dia você conseguir entender o que eu realmente sinto, vou passar a beber sempre. Acontece que eu não acho que a bebida me libertaria, tampouco o cigarro. Isso é só desculpa, quem sabe um dia eu precise usá-la. Enquanto não acho tão necessário, vou tentando assim, com caneta e papel. Eu queria te explicar, o que acontece com a gente. Mas, antes eu também preciso entender. Veja bem, meu bem. Já não há mais motivos e nem tempo pra viver assim, eu moro no amor, você também, então deixe-nos viver nele. Aí você me olha e diz que depende de mim. Mas carregar um amor sozinha é tão pesado, por isso que é dividido pra dois. No fundo, eu sei, é esse meu orgulho que me consome. Mas tenta não se importar com isso, que é coisa tão pouca comparado ao que eu carrego aqui dentro. Eu sou menina,  aprendiz. Nem sei o que é a vida ainda, apesar de que muito já vivi. Viu? Eu e minhas contradições. Eu queria poder dizer em poucas palavras o que você precisa saber pra me entender muito bem, obrigada. Mas é difícil pra mim. Eu travo. Eu fujo. Eu fecho os olhos e finjo não ter nada na cabeça. Eu tento fugir de mim. Eu já tentei fugir de você. É medo. É fuga de um bem danado, por isso que não saio do canto. Eu quero ficar por perto, eu quero te ver bem lento, mas eu vou tra-van-do, e você vai calando, aceitando isso tudo, como quem não faz esforço nenhum pra não se acostumar. E depois, pensa em ir embora. Pega a mala, enche a sacola e põe o pé no mundo. Ora, volte aqui! Que lugar estranho é esse que não é perto de mim? Eu vou curar essa agonia e vou crescendo aos pouquinhos. Lembro de cada palavra que já falamos. Lembro de cada gesto, cada olhar, cada meio-termo que discutimos. Isso não é coisa pouca. Não é de se jogar fora. Então para, olha pra trás, para de olhar pra outros lados. Enxerga o que tem que enxergar que tudo vai ficar mais fácil. Desfaz essas malas, chuta essa bola pra dentro, tira a coleira do cachorro. Desliga essa TV e vem conversar comigo. Vamos aprender a conversar devagarzinho, uma palavra de cada vez. Já guardei a caneta, já rasguei o papel e estou quase abrindo mão da minha aversão por promessas.