No começo eram dois olhos, castanhos, puxados, distantes. Um sorriso de fazer graça,
um sarcasmo quase que inevitável. Eram encontros de olhares casuais, quase despercebidos e mudos. Dois olhos que não falavam e outros dois que nem respondiam. Sempre foi assim, se não havia perguntas, não havia respostas. O toque na pele que existia era do encontro das mãos em que na mesma hora buscavam uma caneta, ou quando por acaso se despediam à certa distância. E quem poderia imaginar que nesses encontros e desencontros diários pudesse existir algo a mais? Em certas ocasiões é preciso um fim para o começo. E assim foi.
De tarde, pipoca, casa de uma amiga em comum. O amor quando quer aparecer escolhe um lugar feinho, uma hora de algarismos ímpares e dois imbecis que nem sabem o que estão fazendo. Agora eram duas mãos bem perto, um ônibus demorado, uma agitação de quase-noite e olhares que quase sempre se perdiam. E quem podia imaginar que naquele meio havia coragem? Um beijo rápido e nem um pouco pausado é coisa pra quem não pensa antes de agir. E bem ali, ninguém podia estacionar seu carro em pensamento. Beijo dado. Olhos fechados. Desencontros perfeitos.
Agora era cinema. Lá os olhos ficam entreabertos, as mãos são feitas pra serem unidas, as respirações são fortes, embora quase emudecidas, finge que é por conta de um filme de premonição que surge um frio na barriga. Dizer alguma coisa é pros fracos. Pensar é coisa pra poucos. Quem sabe seja melhor olhar o filme e esperar que o destino mova as mãos, os olhares e os rostos. Se foi o destino quem moveu, não sei. Nem sei quem é destino. Dessa vez eram dois rostos, duas bocas, beijos pausados, sentimento confuso e medo. Medo do quê? De não ser verdade. Quanto ao filme, pareceu ter duração de 13 minutos. Sabe bem, o amor e seus números.
Hora das mensagens. Palavras sempre chamam a atenção, ainda que haja a possibilidade de não serem verdadeiras. É um risco. E quem quer ter esse capricho, sabe bem o que pode acontecer. E dava pra saber desde o início, era esse o maior medo, mas não era um bom motivo pra desistir. Ainda. Acho graça nessa coisa de destino, sempre leva a culpa por algo que acontece fora dos nossos planos. E já que esses encontros é ele quem arma, que leve a culpa dos desencontros também. "Não era pra ser", foi uma das frases mais repetidas, depois de "eu bem que avisei". Nessas horas ninguém quer ser herói. É bem melhor ouvir uma frase que pelo menos ajude a enganar a agonia que dá no peito. Num momento em que tudo parece mentira, uma mentirinha pra curar dores não faz mal a ninguém. Que seja dita então a famosa "tudo vai melhorar."
Agora era o tempo, senhor de todas as horas pares. Intervalos, mensagem, intervalos, ausência, silêncio. De todos os cheiros que imagino que o tempo pode ter, o mais doloroso de sentir, é o cheiro de nada. Voltemos então à estaca zero: sem perguntas, sem respostas. Pra quem já tomou boas doses de desilusão, uma a mais não poderia fazer tão mal. Quem disse? Levanta as mãos pro céu e agradece, mulher. Esse coração é mais valente que muita formiga no inverno. Isso lá é valentia? Ainda que fosse, era só mais uma daquelas frases famosas. A verdade é que o tempo te cerca, te invade e te empurra, vem cá: bola pra frente.
Dia de número ímpar, carnaval. Sem máscaras, sem serpentinas. Cidade colorida, sorrisos espalhados cheios de euforia. Pés dançantes e olhos que piscam. Agora era reencontro, carnaval cheio de fantasias, traz de volta as mãos que cruzam, os olhos que temem e se encontram, a boca que treme e que fala. A graça que faz rir, mas nem existe. Teimosia de quem quer e põe culpa no pobre do destino. É noite, ímpar e de chuva. Cinema mudo, mímica esquisita, olhos que brilham, pés que descobrem que sambam, samba falando de mulher, cabelo soltando tinta azul, azul da cor do céu. Céu que se faz plateia de um show de tentativas de conclusão e afirmação de sentimentos. Se isso for magia da chuva, que ela caia também nos dias pares, porque o amor já faz magia demais por nós. O tempo solta cheiros, músicas e letras. As músicas trazem formas, toques e pernas. Os braços balançam procurando encontrar as mãos que por querer se entrelaçam. Então foi assim. É assim com todo mundo. Se foram os olhos que piscaram, se alguma música tocou, se as mãos ou os filmes ajudaram, não tem pra quê entender. Pra mim, o amor quando é amor é ímpar, dois viram um só. E se alguém tiver que levar a culpa, que seja o destino.
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